terça-feira, 17 de junho de 2008

"O que é que tens para me dar?"


Em primeiro lugar, deixem-me esclarecer o seguinte: apesar do tempo passar - e de que maneira! - eu sou um jovem aprisionado no corpo de um adulto, mas não vivo em nenhuma caverna! E considero-me minimamente atento ao que se passa à minha volta.

Pronto.

Agora já posso continuar.

O que é que se passa com a afectividade, intimidade, sexualidade, e outras coisas a acabar em "dade", à excepção de vaidade e irresponsabilidade (essas não parecem faltar) dos miúdos até cerca dos 20 anos de idade?

Não me parece que seja o fenómeno Euro 2008, porque imagino que alguns miúdos e miúdas já tenham conseguido dar umas boas cambalhotas a seguir aos jogos da selecção, quando vêm a sair do Parque das Nações com as hormonas e a adrenalina aos pulos.

(Diria mesmo que talvez venhamos a ter uma verdadeira "geração Selecção" daqui a nove meses... e parte dela concebida no estacionamento subterrâneo ou nas casas de banho do C.C. Vasco da Gama...).

Mas tirando o facto de haver honrosas excepções e mesmo assumindo que algumas fedelhas de 15 e 16 anos, enquanto estão a ser comidas contra os azulejos coloridos da casa de banho estejam a balbuciar baixinho: "Cristiano Ronaldo... Cristiano Ronaldo...", o que é facto é que parece haver um manifesto desinteresse e apatia pela descoberta da intimidade e da afectividade.

E digamos que no que toca à sexualidade, já vi cabines no Animatógrafo do Rossio com um ar mais convidativo que certos jovens no contacto com o sexo oposto.

Será que estou assim tão distante da realidade?

Será que esta geração, a quem tudo é dado - principalmente pelos pais -, como se fosse uma espécie de "indemnização compensatória" do tipo: "eu nasci ainda no tempo da ditadura, mas tu , meu filho, vais ter toda a liberdade que eu não pude ter e tudo o que daí decorra", também espera placidamente que a dimensão pessoal e afectiva surja de bandeja?...

Vamos fazer um contraponto, a ver se consigo explicar onde quero chegar.

Quando eu era "puto", ir à discoteca à noite com 18 anos era quase uma aventura, uma espécie de ritual iniciático, que nos distinguia do resto da malta. Existiam vários patamares: a malta que podia andar na rua até à hora de jantar; a malta que podia sair depois da hora de jantar, mas para ir com os pais tomar café; a malta que podia sair depois do jantar e andar na rua até por volta das onze da noite (quando a emissão da RTP estava a aproximar-se do fim e lá vinha depois a bandeira e o hino); e a malta que podia ir à discoteca e estar em casa à meia-noite, meia-noite e meia, no máximo(!!!)

Para atingir este patamar de elevação, era preciso dar a ideia de sermos responsáveis, sem parecermos tótós, já que para saír à noite é preciso tomar algumas cautelas, já que as boas notas da escola ajudavam a conseguir autorização para pôr o pé na discoteca, mas não ensinavam a escapar aos sarilhos.

Esta era a ocasião em que algumas miúdas começavam a pintar-se, para dar um ar mais crescido, e a calçar sapatos de salto alto - alguns roubados às mães ou pedidos emprestados a amigas - já que ainda não haviam muitas crossdressers.

E na discoteca, quem naturalmente dava o primeiro passo para conhecer alguém era o rapaz. Na maior parte das vezes, não o rapaz verdadeiramente interessado, mas sim, o melhor amigo que tinha ido - e conseguido entrar também - na discoteca.

Alguém que tenha nascido no século passado ainda se recorda disto? Algo como: "Olha, o meu amigo acha-te muito gira e gostava de conhecer-te..."

Foi assim à tanto tempo?...

E como é que é hoje?

- "Vou saír."
- "E onde vais?" Responderá a mãe ou o pai, entre duas frases de telenovela ou a marcação de um canto num qualquer jogo obscuro de futebol que só a SportTV transmite para encher o chouriço da emissão.

Provavelmente nem vão obter resposta. Provavelmente, muitos nem se vão importar com isso.

A porta já se fechou e o jovem não assumiu sequer por um instante que a resposta dos pais pudesse ser contrária aos seus interesses.

"Era o que faltava. Eles não mandam em mim. Eu não pedi para nascer.". Lapidar.

Não há qualquer prémio ou incentivo aqui: "Eu saio e pronto. Não interessa se me portei bem ou mal, se sou cuidadoso ou descuidado, se faz ou não sentido. E quanto a dinheiro, não há problema: se não tiver, peço aos "cotas". E se não me derem, tiro."

(É ÓBVIO QUE NEM TODOS OS JOVENS SÃO ASSIM).

Na discoteca ou no bar - a diferença cada vez está mais esbatida - várias opções: vou beber até cair; tomar uns ecstasy ou papar uma miúda? Logo se vê qual é que 'tá na minha onda...

Entretanto, as miúdas também se transformaram um bocadinho. E não vão ficar na expectativa.
Esse passou a ser o papel dos rapazes: que já não ligam a certas subtilezas delas, trocando por vezes o contacto físico pelos shots até ver quem é o último a cair.

-"Olha, és bué da grosso. Queres curtir? Dá.me o teu número.", dirá a menina, cheia de encanto e graça.

Outra variante, quando já se conhecem previamente, passa pelos sms, que em meu entender deviam ter uma sigla e significado diferentes. Deveriam intitular-se smc: substituto mecânico do cérebro.

Vejam só o exemplo desta prosa, digna de Pessoa ou Cícero: "keres kurtir?"

Fabuloso, não é? O que é feito dos peluches e dos postais gigantescos nos aniversários; o que é feito das flores? Do embaraço da conversa de começo de namoro ou da frustração da rejeição? Agora, no dia dos Namorados, levas um sms grátis... e já gozas!


(É CLARO QUE NEM TODOS OS JOVENS ERAM ASSIM, HÁ 20 OU 30 ANOS ATRÁS).


Como dei este exemplo da discoteca, poderia dar outros, inclusivamente do meu local de trabalho (não, não sou professor), já que este parece ser um tipo de comportamento transversal a outras áreas de interesse.

Não peço um retorno ao passado Salazarento e Marcelista que nos tornou ainda mais cinzentos e tristes, mas também não aceito esta "atitudezinha de merda" que mina estes jovens e que parece preocupar todos menos aos próprios. Não me digam que temos que começar a importar filhos dos países de Leste!!! Ou talvez a exportar certos pais para lá...


Para mim, só vejo um aspecto positivo, no que toca à dimensão sexual do problema.

Com as miúdas cada vez mais assanhadas e os putos cada vez mais apáticos, ainda calha qualquer coisa para alguns maduros como eu... valha-nos isso.


J.


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